Café com Conselheiro: Nabil Kadri

Para começar nossa série de entrevistas, convidamos o conselheiro Nabil Kadri, que tem uma trajetória de duas décadas com desenho e implementação de políticas públicas e tem grande repertório na área socioambiental. Na sua atuação de quase 18 anos no BNDES, 13 são dedicados à agenda ambiental. Por sete anos ele esteve em funções executivas, chefiando o Departamento de Gestão do Fundo Amazônia e Gestão Ambiental do Banco, e depois a frente da área de Meio Ambiente.

Christiane Maroun, coordenadora do Climate Finance Hub, conduziu a entrevista para trazer um panorama de como a agenda do clima se integra ao desenvolvimento do Brasil e se relaciona com os mecanismos de financiamento liderados pelo BNDES. 

Pegue seu café, e vamos começar!

Christianne Maroun: Eu já trabalhava com sustentabilidade na década de 90, quando o BNDES, pela primeira vez, exigiu licença ambiental de seus projetos financiados. De lá para cá a evolução foi gigantesca na inserção de mecanismos para financiamentos sustentáveis. Você pode nos contar sobre essa história?

Nabil Kadri: Para mim, o grande ponto de inflexão foi em 1992, quando fomos a primeira instituição financeira brasileira a criar uma unidade de meio ambiente, antes mesmo de qualquer outro banco.

O Brasil tinha um sério desafio para reduzir o desmatamento na Amazônia; os índices de desmatamento naquela época chegavam a ser três vezes maiores do que temos visto nos últimos anos. Houve uma pressão muito grande para que o país desse uma resposta firme. Nesse contexto, o governo brasileiro também propôs, no âmbito internacional, a realização da Rio 92 – onde surgiu o primeiro acordo de clima mundial e foi divisor de águas na agenda do planeta em relação à agenda de sustentabilidade e meio ambiente.  Então, a área foi criada para dar suporte ao governo brasileiro na organização da Rio 92 e para coordenar a atuação dos entes privados, do setor público. De lá para cá foram mais de 30 anos de muitos desafios, de evolução e inovações. Nesse período divulgamos nossa primeira política de responsabilidade social e ambiental, em 2010, antes mesmo das exigências do Banco Central para instituições financeiras.

Na década de 90 o branco criou a referência de análise socioambiental de projetos na classificação ABC, que hoje é muito difundida no setor financeiro. Assim surgiu o embrião de como é feita a análise de risco socioambiental e climático nas operações. 

Todos os projetos e operações que são apresentados ao banco passam por esse primeiro filtro inicial de identificação, se há riscos iminentes, quais são esses riscos, que tipo de mitigação é possível adotar. Assim, podemos seguir para as próximas fases, tanto do crédito quanto do acompanhamento. O que antes era feito num departamento específico, agora se tornou um departamento dentro da área de risco do BNDES para fazer essa análise socioambiental e climática. Foi um grande avanço!


Esse ano também estamos contribuindo com o Ministério da Fazenda na construção da plataforma BIP. A plataforma surge como uma espécie de portfólio brasileiro que elenca projetos relevantes que precisam de recursos nacionais e internacionais para serem implementados nos próximos anos.

CM: Existe algum alinhamento da BIP com o crédito de carbono? Pergunto porque o crédito de carbono é um instrumento de financiamento de projetos inovadores e que vão reduzir emissões além do business as usual, o que me parece bem alinhado com o propósito da BIP.

NK: Eu adorei a pergunta porque você me deu a oportunidade de falar uma coisa que a gente vem fazendo nos últimos anos e que eu, particularmente, gostaria muito de ver outras organizações financeiras fazendo algo parecido.

Quando o BNDES começou a operar o Fundo Nacional de Mudança do Clima, o Fundo Clima, ajudamos a desenvolver uma metodologia de emissões evitadas nos projetos de infraestrutura. Inicialmente, essa metodologia era destinada para esses projetos do Fundo Clima, mas conseguimos implementá-la para todas as operações aprovadas pelo banco em diversos setores. A partir disso, criamos o Portal NDC do BNDES onde é possível checar emissões evitadas em função desses financiamentos do BNDES, por setor e por projeto.
Essa metodologia do Fundo Nacional de Mudança do Clima se relaciona com a BIP porque pode ser aplicada a qualquer projeto de infraestrutura naqueles setores prioritários da NDC. Não gera certificação de imediato de mercado de carbono, mas temos um direcionador e também nos ajuda a comparar o impacto dos projetos.

CM: Como garantir que os aspectos de clima e sustentabilidade possam ser tratados junto à agenda de desenvolvimento do país?

NK: Não é uma redução da emissão de carbono pela redução da emissão. Qual é o objetivo de desenvolvimento do país? Reduzir as desigualdades? Melhorar a qualidade de vida da população? Um país mais justo? A missão é conseguir esses objetivos com base sustentável – e não inverter a narrativa. Por isso, o BNDES, sendo um banco público de desenvolvimento, tem o papel muito importante de trazer esses elementos para o debate das finanças climáticas, porque ele não deixa a ação da descarbonização se reduzir apenas ao denominador carbono. Em conjunto com a agenda ambiental, somos um banco de desenvolvimento econômico e social e a transição climática deve ser uma transição justa.

“Eu acho que a NDC é uma oportunidade tanto do ponto de vista de acesso ao mercado, quanto de uma produção mais alinhada com a agenda da redução das emissões”

CM: Você acha que as empresas brasileiras estão preparadas para contribuir com a nossa NDC, cuja meta é reduzir 67% das emissões até 2035? Você considera uma meta razoável? A gente vai conseguir realmente alcançar isso?

NK: Pergunta difícil. Fala-se muito da NDC nova do Brasil, até porque a COP 30 está prestes a acontecer.  Vale lembrar que o Brasil foi o primeiro país no mundo a apresentar uma NDC quando o Acordo de Paris passou a vigorar, e também a primeira meta Economy Wide, ou seja, que é pra economia como um todo. Enquanto outros países escolhem um ou dois setores da economia para se comprometer. O Brasil, de maneira bastante ousada e bastante ambiciosa, apresentou já naquela época uma NDC abrangente, cumprindo todos os setores. Também vale recordar que, ao longo dessa década, o Brasil foi capaz de cumprir com o que se comprometeu internacionalmente. Por isso, a revisão da NDC traz novos desafios para o país, mas que são, de forma geral, desafios e também oportunidades.

Eu acho que a NDC é uma oportunidade tanto do ponto de vista de acesso ao mercado, quanto de uma produção mais alinhada com a agenda da redução das emissões – que não é só uma agenda de clima. A NDC nos ajuda a mirar os desafios do país para propor resoluções com bases sustentáveis.

CM: A escassez de dados padronizados, baseados na ciência e de longo prazo dificulta a análise de riscos de transição climática em projetos financiados. Como uma instituição financeira decisiva para a destinação de capital no país, como o BNDES, se adaptou para incorporar análises de risco de transição climática em seus financiamentos?

NK: Todos os projetos que chegam passam por um filtro inicial para identificar riscos e possíveis formas de mitigação. Só depois seguem para as próximas fases, tanto de crédito quanto de acompanhamento.

Um grande desafio do BNDES é fazer análises socioambientais para muitos projetos ao mesmo tempo. Lidamos com um volume grande de projetos, não só de forma direta, mas principalmente por meio dos bancos parceiros.

Por exemplo, como detectar nos  projetos de agricultura algum relacionamento com desmatamento que poderia impedir um financiamento? Para esse desafio, em 2023, iniciamos uma parceria com MapBiomas.  Todo financiamento de crédito agrícola, que é solicitado ao BNDES, por bancos parceiros, passa por uma triagem de monitoramento por satélite do MapBiomas que nos devolve, de maneira totalmente autônoma e independente, uma resposta sobre se houve ou não desmatamento naquele território, à luz do Código Florestal. Em caso positivo, bloqueamos o financiamento. Essa ferramenta nos ajudou a ter uma convicção de que o recurso deste banco público não está indo para territórios onde houve desmatamento.

CM: Olhando pelo outro lado, como o BNDES orienta tomadores de crédito para que eles fiquem alinhados com a transição climática?

NK: Na avaliação de riscos, olhamos tanto o risco físico quanto o de transição. E o mais importante é a maturidade da gestão socioambiental do cliente. Avaliamos se ele tem governança e políticas adequadas para lidar com o que a transição climática vai exigir do setor dele.

Fazemos entrevistas, aplicamos questionários e também usamos bases de dados externas para embasar a análise. Se identificamos que a empresa precisa melhorar, sugerimos caminhos e referências, tanto de parceiros do setor quanto internacionais, logo no começo da avaliação global do proponente.

 “O Climate Finance Hub vem agregar valor para as discussões com base científica.”

CM: Como você sabe, já que é nosso conselheiro e muito atuante, o Climate Finance Hub Brasil faz análises de transição climática de empresas de diferentes setores usando a Metodologia ACT,  internacionalmente reconhecida, adequada à realidade local. Nossas análises padronizadas e baseadas na ciência objetivam embasar, não apenas o setor financeiro, mas a sociedade como um todo nesse processo de transição climática relacionado ao desenvolvimento. Como você entende que as nossas soluções de análises de transição climática podem ser utilizadas?

NK: Trabalhar com dados é sempre importante pra gente conseguir evoluir. As análises do Climate Finance Hub Brasil, são importantes para a tomada de decisão estratégica porque a melhor forma de fazer isso é com dados e informação – e nem sempre temos acesso a esses dados. As análises do Hub vão gerando elementos que podem ser compartilhados com os diversos setores da sociedade, para ajudar a orientar essas decisões mais estratégicas. Os resultados do Hub irão mostrar a competitividade relativa das empresas brasileiras, indicando a maturidade de transição climática de setores brasileiros à frente do resto do mundo. O Hub pode ser fundamental para suporte a uma agenda de trabalho para melhorias na transição climática das empresas brasileiras.

Qual é o desenvolvimento que a gente espera do país? O que é uma base nacional de produção que vai gerar mais riqueza e mais renda e vai diminuir as desigualdades? Com esse olhar podemos avaliar vantagens competitivas dos setores na agenda climática. O Climate Finance Hub vem agregar valor para as discussões com base científica.

CM: Falando sobre COP30 e a geopolítica atual das mudanças climáticas que não está nada simples. Você acha que o Brasil tem condição de liderar uma jornada positiva para endereçar as mudanças climáticas?

N: Quando eu olho para o histórico da agenda climática no Brasil, digo que sempre tivemos uma postura inovadora. Em 2009, por exemplo, antes mesmo do Acordo de Paris, o Brasil levou à agenda internacional a Política Nacional sobre Mudança do Clima, já com um instrumento financeiro, o Fundo Clima. Hoje, mais uma vez, o Brasil traz uma proposta inovadora: o TFFF, uma Facility para um fundo global de florestas, que combina remuneração de investidores e de países que conservam florestas.

Geralmente, quando o contexto fica mais complexo, exemplos concretos, que sejam positivos, ajudam a distensionar as discussões e mostram a busca pelo bem comum. E o Brasil tem um espaço importante para apresentar essas soluções e exemplos práticos.

Um bom exemplo é o Fundo Amazônia. Todo mundo conhece pelos resultados e pelo número de parceiros, mas o mais importante é que, quando foi criado em 2008, ele já antecipava o conceito do REDD+, que depois virou o artigo 5º do Acordo de Paris. O Brasil não só propôs um instrumento inovador, como ajudou a criar um conceito que não existia internacionalmente: remunerar países pela redução do desmatamento. É hoje o maior fundo de REDD+ global.

O Fundo Amazônia foi o caso concreto que mostrou ser viável, tanto que inspirou a criação do Green Climate Fund. Por isso o Brasil tem um notável protagonismo pela ação. O Brasil sempre demonstra esse passo adiante com um caso concreto. É isso que nos diferencia no cenário global ao longo dessas últimas 30 décadas.

Essa conversa com Nabil Kadri inaugura o Café com Conselheiro, uma série de entrevistas realizadas pelo Climate Finance Hub para compartilhar diferentes perspectivas sobre o papel das finanças climáticas na transformação do Brasil. Ao longo dos próximos meses, vamos trazer novos diálogos com outros membros do nosso conselho, aprofundando o debate sobre os caminhos para uma economia de baixo carbono. Acompanhe!

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