Luan Santos entrevista Emilio Lèbre La Rovere

Nesta edição do Café com Conselheiro, o Climate Finance Hub Brasil  (CFH Brasil) recebe o Professor Doutor Emilio Lèbre La Rovere. Membro ativo do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) da ONU e participou de todos os seis relatórios de avaliação. É professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenador do Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (CentroClima) do Programa de Planejamento Energético (PPE/COPPE/UFRJ) e líder do Grupo de Trabalho Técnico do Conselho do CFH Brasil. La Rovere é um dos nomes mais importantes no país quando o assunto é planejamento energético, análise de cenários e políticas públicas para descarbonização. 

Nesta conversa, conduzida pelo Coordenador de Pesquisa do CFH Brasil, Luan Santos, também professor da COPPE/UFRJ, o professor La Rovere explica as bases metodológicas dos pathways de descarbonização, detalha o funcionamento do projeto internacional Deep Decarbonization Pathways (DDP), discute o papel dos governos nacionais na condução da transição energética e comenta como o Plano Clima e o futuro Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) irão estruturar a ação climática no país.

Confira a entrevista na íntegra.

LUAN SANTOS (LS): Professor, para começar, você poderia explicar de forma simples o que são os pathways e as trajetórias de descarbonização, e como elas são elaboradas?

EMÍLIO LA ROVERE (ER): As trajetórias de descarbonização, seja de uma economia global, nacional ou local, são construídas como cenários, não como previsões. Previsões só são possíveis no curto prazo, onde a incerteza é menor. Já o clima e a transição energética mudam lentamente, exigindo análises até 2050 ou até mesmo 2100. Também leva tempo para substituir a infraestrutura baseada em combustíveis fósseis; por exemplo, uma hidrelétrica pode levar dez anos para ser construída. Por isso, começamos pelos cenários de linha de base, que representam o que aconteceria caso nada adicional fosse feito. Hoje, relatórios como o Emissions Gap Report mostram que essa tendência global não é suficiente para manter o aquecimento dentro dos limites do Acordo de Paris. A partir da linha de base, comparamos trajetórias com diferentes ações de descarbonização em setores como energia, transportes, indústria, agricultura, resíduos e, no caso do Brasil, especialmente em uso da terra. Também consideramos remoções de carbono por meio de restauração florestal. Assim, conseguimos calcular não apenas as emissões em cada cenário, mas também o custo de mitigação associado a cada ação adotada. 

Para a construção desses cenários  são utilizadas diversas áreas do conhecimento, como matemática, modelagem computacional e a mais importante é a análise econômica, cp, a formulação de cenários demográficos, tecnológicos e de políticas públicas, além do julgamento de especialistas. Trabalhamos com modelagens que integram esses fatores para avaliar o desempenho atual das políticas e estimar seus efeitos futuros. Em geral, esses cenários são elaborados por equipes multidisciplinares, formadas por engenheiros e economistas que nos permitem criar pathways para a descarbonização brasileira.

LS: Por que precisamos desenvolver trajetórias específicas para o contexto brasileiro, em vez de adotar cenários globais uniformes?

ER: Porque quem implementa políticas climáticas são os países. Nos primeiros trabalhos do IPCC, havia um foco maior em visões globais. Mas ficou claro que apenas os governos nacionais têm o poder de remover barreiras à descarbonização, como subsídios à produção e ao uso de combustíveis fósseis, entraves administrativos, custos financeiros e ineficiências institucionais. São os países que adotam políticas de incentivo, regulam mercados, fiscalizam o desmatamento e orientam o setor produtivo. A governança global não consegue obrigar empresas a reduzir emissões; já os governos nacionais têm instrumentos para isso — comando e controle, controle de crédito, incentivos econômicos e agora os mercados regulados de carbono. Por isso, os cenários nacionais são essenciais, e os relatórios mais recentes do IPCC já incorporam capítulos dedicados a eles.

LS: Cada país precisa desenvolver caminhos para reduzir drasticamente suas emissões e diferente de modelos globais genéricos, o Deep Decarbonization Pathways Project trabalha país a país, combinando análise técnica detalhada, capacidades nacionais e diálogo com formuladores de políticas públicas. Quais os diferenciais desse modelo? 

ER: O DDP começou em 2013 e reúne centros de pesquisa de 15 países que, juntos, respondem por cerca de 80% das emissões globais. Diferente dos cenários tradicionais, que projetam de hoje para o futuro, o DDP usa a abordagem de backcasting: parte-se do objetivo final — emissões líquidas zero em 2050 — e reconstrói-se o caminho necessário para chegar lá. Isso permite identificar o ritmo das transformações e a urgência de ações imediatas. Os cenários são atualizados anualmente porque tudo muda rapidamente: tecnologias ficam mais baratas, projeções demográficas são revisadas, o preço do petróleo oscila, e as prioridades políticas se alteram conforme os governos mudam. No Brasil, essa atualização constante é essencial para manter a coerência entre os cenários e a realidade política e econômica.

LS: Aproveitando o contexto braisileiro, de que forma o Plano Clima tem influenciado a transição climática do Brasil?

ER: O Plano Clima traz uma inovação importante: pela primeira vez, o Brasil terá sete planos setoriais de mitigação, cada um com um limite de emissões para 2030 e 2035. Esses tetos irão orientar os setores de agricultura e pecuária, uso da terra, energia, indústria, transportes, cidades e resíduos. Até hoje, nossas metas eram agregadas no nível nacional; agora, cada setor terá seu próprio compromisso. Isso cria clareza para gestores públicos e empresas e evita a expectativa de que um setor possa “compensar” o outro. Além disso, esses limites setoriais vão servir como base para o futuro Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

LS: Poderia explicar melhor a relação entre o Plano Clima e o mercado regulado de carbono?

ER: As regras já estão previstas na lei aprovada no final do ano passado, que agora precisa ser regulamentada. O órgão gestor do sistema irá estipular quanto cada empresa poderá emitir, qual parcela de cotas será distribuída gratuitamente no início e como ocorrerão os leilões de cotas. Para isso, usará como referência os limites setoriais do Plano Clima. Esse modelo segue experiências internacionais — especialmente o mercado europeu — e cria um preço para poluir, incentivando a adoção de tecnologias mais limpas. Assim, corrige uma distorção clássica: durante décadas, não houve custo para emitir gases de efeito estufa.

O Brasil vai combinar instrumentos econômicos — como a precificação do carbono por meio do SBCE — com instrumentos de comando e controle, como o combate ao desmatamento e o cumprimento do Código Florestal. A ação conjunta dessas ferramentas permitirá que o país acelere sua trajetória de descarbonização e cumpra suas metas nacionais de mitigação.

É com esse propósito de acelerar a transição climática dos setores da economia brasileira que o Climate Finance Hub atua com a integração entre mercado financeiro, economia real, capacity building e análise de dados para promover a agenda de uma economia de baixo carbono. 

Para saber como vai a transição climática da economia brasileira, confira os cadernos setoriais do CFH Brasil. As últimas avaliações da maturidade de transição climática do setor elétrico e do setor de óleo e gás já estão disponíveis para download.

Compartilhe

Receba informações do Hub

e acompanhe nossas atividades na transição para um futuro sustentável.

Feito com WP360 by StrazzaPROJECT